quinta-feira, 29 de setembro de 2016

FINALMENTE PAZ NA COLÔMBIA ENTRE GOVERNO E FARCS

  PERGUNTA ÓBVIA
       César Benjamin

Folha de S. Paulo, 7 de agosto de 2009

Em 2002 fui convidado pelo governo colombiano, então
 chefiado por Andrés Pastrana, a integrar um grupo de cidadãos latino-americanos que tentaria facilitar o diálogo com a guerrilha.
Estive  no país nessa condição e retornei pessimista. Vi que forças poderosas agiam para impedir uma solução negociada.
De um lado, a guerrilha superestimava sua capacidade, exigia alterações profundas no sistema político e não avaliava corretamente
a mudança de cenário em curso, com a crescente intervenção dos Estados Unidos no conflito.
De outro, o Estado, embora preservando rituais democráticos fundamentais, era incapaz de garantir a inserção política civil dos combatentes. Permanecia bem viva a memória da experiência da
União Patriótica (UP), criada depois dos acordos assinados entre o
governo de Belisario Betancur (1982-1986) e as Farc.
         Em 1986, como uma etapa do processo de desmobilização guerrilheira, a UP disputou eleições, elegendo bancadas parlamentares em todos os níveis, em quase todo o país. Seu candidato à
presidência, Jaime Pardo Leal, ficou em
terceiro lugar, ameaçando o bipartidarismo conservador.
A progressão da paz, porém, foi abortada: em operações coordenadas,
fulminantes, 3.500 dirigentes da UP foram assassinados, incluindo o candidato à presidência e os que haviam assumido cargos eletivos. Os dois novos líderes do partido – Bernardo Jaramillo e o senador Manuel Cepeda Vargas – tiveram o mesmo destino, em sequência.
         Os 3.500 homicídios seletivos e as mais de mil tentativas de homicídio em atentados falhados, com inúmeros feridos graves, não levaram ninguém a julgamento, pois qualquer movimentação
nesse sentido provocaria um golpe de Estado. Com a UP exterminada, a
solução militar – ou seja, a falta de
solução – voltou a predominar. Era o que tentávamos ajudar a remediar em 2002, em um país que estava nitidamente cansado da guerra.
Intitulei “O papel estratégico da paz” o meu pronunciamento na
principal sessão dos trabalhos. Retiro um trecho e traduzo: “Há mais coisas em curso. Refiro-me às movimentações que prenunciam a possibilidade de controle externo sobre a região amazônica a médio e longo prazos. Se não forem contidas, o que estará em jogo não é pouco.
Entre os processos que decidirão como serão redistribuídos
riqueza e poder neste novo século, em nível mundial, destacam-se três: a capacidade de manejar a biodiversidade; de alterar a matriz energética; e de controlar as reservas de água doce. Essas três
questões redefinem o papel da Amazônia no mundo. [...] Perdoem-me a
sinceridade: é nesse contexto que vejo, com grande preocupação, a evolução da guerra civil na Colômbia. Ela poderá vir a ser a via de entrada de tropas militares estrangeiras na Amazônia.
Além da dimensão humanitária, a construção da paz tem, para todos
nós, uma dimensão estratégica.”
    Sete anos depois, vejo confirmados os meus temores. A sequência
parece-me clara. O processo de paz foi propositalmente inviabilizado. A guerrilha – que, na origem, foi uma expressão da resistência camponesa à violência dos latifundiários, mas que
está obviamente deslocada no tempo – passou a ser apresentada como uma quadrilha de narcotraficantes, um golpe midiático vulgar que visa a deslegitimar qualquer iniciativa de natureza política, a única que pode ser justa e eficaz. Sob o pretexto de exterminá-la, criou-se um aparato militar que desequilibra o balanço de poder no continente.
          E agora, pela primeira vez na história, sete bases serão construídas na Amazônia para abrigar tropas estrangeiras 
e mercenários, estes apresentados sob o eufemismo brando
de “terceirizados”. Se a guerrilha está derrotada, como
todos dizem, a pergunta óbvia é: para quê?

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